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Minha Primeira Corrida do Ano: A Superação de uma Lesão e o Significado do Esporte Amador

Já faz quase um ano desde que passei por uma queda boba, me afastou das corridas. Desde que reconheci a gravidade da lesão, soube que precisaria me fortalecer mentalmente para enfrentar tudo - dá-lhe terapia, mindfulness, kindfulness, ombros amigos, família - Tem sido sim um período muito difícil, pois a corrida não é apenas um esporte para mim, nesse período percebi que faz parte da minha identidade. Eu me reconheço enquanto alguém que corre, que tem uma tribo que corre e que segue uma rotina um tanto estranha para alguns, mas que me organiza enquanto ser. Durante os mais de seis meses de recuperação, precisei lidar com a frustração de não poder treinar, correr e até mesmo andar. Mas juntei tudo aquilo que já vivi e o que também passo para meus pacientes em relação a momentos de enfrentamento e literalmente segui um dia após o outro, entre altos e baixos, mas seguindo com um propósito: voltar a correr.

Sim, hoje, posso dizer que voltei à corrida, não da forma como esperava (e a mente do iniciante segue me ensinando), mas com um significado ainda mais profundo e que me dei conta nesse processo, como disse acima: corro porque me reconheço como alguém que

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corre, me organiza, me estabiliza, me desafia, me ensina. Após todo o protocolo, fisioterapia, fortalecimento, alongamento, corre/anda, progredi até o dia de hoje, em que encaixei um treino “longo”em uma prova que eu amo - “Corrida pela Cidadania”. Essa corrida, em sua 23a edição tem um ar de celebração, de união daqueles que amam a corrida em prol de algo maior, o “Projeto arrastão”, a qual sempre levei minha família para participar. Foram 15km em uma prova. É muito peculiar dos corredores ficarem “mais tensos”ao colocarem um número de peito, mas sabia que precisava voltar às pistas antes de virar o ano. Simbólico, a corrida de hoje, embora no final do ano, foi a única que fiz neste ano — e para mim, isso tem um peso imenso. Dessa vez, seria ainda mais significativo, pois seria uma das últimas oportunidades de ter meu companheiro de vida (Fernando) e meus filhos participando ao meu lado, tornando o evento ainda mais único e repleto de emoções.

Agora, com a mente mais tranquila e pronta para correr, quero dividir com vocês como foi essa minha experiência, que, na verdade, se dividiu em duas partes muito diferentes.


A Primeira Parte: O Impacto do Preconceito e do Self-Talk


No dia anterior programei o relógio com as instruções do meu treinador, já sentindo uma certa tensão. Cheguei para a corrida e quis ouvir o corpo, ainda tentando seguir o programado, fiquei desconfortável com o fato de estar sendo acompanhada por outros corredores, especificamente homens, que estavam com um ritmo semelhante ao meu, e que passavam a me acompanhar lado a lado por um período. Isso acabou trazendo à tona algumas lembranças negativas — e também referente às regras da Federação Paulista de Atletismo, de que a corrida é individual e dessa forma eu seria desclassificada se “julgassem"que eu estivesse sendo ajudada (o que de fato não aconteceu em 2023, como alguns devem ter acompanhado). Fato é que a situação interferiu diretamente na minha experiência. Parece um pensamento simples, mas para quem corre sabe que o ambiente de uma corrida envolve muito mais do que apenas ritmo.

O preconceito aqui não estava apenas na minha cabeça, mas também no comportamento de algumas associações e meios de comunicação do nosso país, que muitas vezes tentam fazer as mulheres se sentirem menos capazes. A grande questão é que o evento do ano passado me gerou um enorme desconforto, me vi fugindo de corredores homens para não ser associada a eles, e um self-talk negativo ganhou espaço — um diálogo interno destrutivo que me fazia duvidar da minha capacidade de seguir em frente. Se você ainda não conhece esse conceito de self-talk, em breve estaremos lançando um vídeo sobre isso no nosso canal do YouTube, com base em pesquisas científicas. É um conceito que valorizo muito, pois entender como nossos pensamentos influenciam nossas ações é fundamental, especialmente no esporte. Mas, voltando à corrida, essa tensão interna me acompanhou por metade da prova, fazendo com que eu lutasse contra esses pensamentos ao invés de focar no que realmente importava: a corrida em si.


A Segunda Parte: Mudança de Mindset e a Ajuda Mútua


Na segunda metade da prova, ao ver que não estaria no pódio, me permiti correr ao lado de quem quer que fosse.  Ao invés de me deixar consumir por pensamentos negativos, comecei a conseguir focar no que realmente importava: minha corrida, em como o vento me tocava, o som dos meus passos, o ritmo, a respiração, o prazer de estar correndo novamente e a energia positiva que a corrida solidária trouxe. E foi nesse momento que algo incrível aconteceu:


Um corredor, que estava ao meu lado e parecia estar no mesmo ritmo, se aproximou e me disse:


"Estava quebrado, mas você me ajudou a voltar para a corrida."


Para mim, isso foi uma das coisas mais significativas que eu poderia ouvir. O fato de que, sem nem perceber, eu havia influenciado positivamente a jornada de alguém no esporte amador me trouxe uma sensação indescritível.Isso é o que eu acredito do esporte, na inspiração mútua. Afinal, não sou uma atleta profissional — nunca fui e nem quero ser. Minha corrida sempre teve um caráter mais pessoal e amador. E é justamente isso que torna o esporte amador tão especial: ele é sobre a jornada pessoal, sobre o apoio mútuo e a superação, mais do que sobre vitórias.

Esse momento foi muito mais do que uma simples frase. Ele me fez refletir sobre o que realmente significa o esporte amador e, mais importante ainda, sobre o respeito que todos merecem dentro dessa esfera.


A Denúncia ao Preconceito no Esporte Amador


E aqui entra uma reflexão importante. Para aqueles da federação, ou qualquer pessoa que desrespeite os princípios do esporte amador, é fundamental entender que amadorismo não é sobre elitismo ou exclusão. Amadorismo é sobre a liberdade de praticar e crescer, mesmo não o fazendo em caráter profissional. O que está em jogo não é a vitória sobre os outros, mas sim a vitória sobre nós mesmos — sobre nossas limitações e os preconceitos que, infelizmente, ainda existem.

Se você não entende o que é o espírito do amadorismo e ainda assim tenta reduzir o esporte a algo puramente competitivo e profissional, você está desrespeitando as bases que sustentam a IAAF (Federação Internacional de Atletismo) e, por consequência, está desrespeitando o esporte em sua essência. Não se trata de ganhar ou perder, mas sim de participar e evoluir com cada passo dado. E para todos aqueles que, como eu, estão na jornada amadora, a nossa competição está dentro de nós mesmos, não com os outros.


Conclusão: A Força do Esporte Amador e o Respeito à Prática


Por fim, o que posso concluir dessa experiência, que foi muito mais do que uma simples corrida, é que o esporte amador é um reflexo da vida. Ele nos ensina que, por mais desafiador que seja, a jornada de superação e a troca de energias são mais importantes do que qualquer troféu. E, nesse sentido, todos podemos ser campeões, seja ao lado de um amigo, de um desconhecido ou de nossa própria jornada. O importante é a consistência, o apoio e o respeito mútuo ao longo do nosso caminho. Afinal, o que nos move não é a linha de chegada, mas os passos dados até ela e o quanto somos capazes de apoiar uns aos outros para chegar lá. E, como sempre, o mais importante é o tempo próprio, o tempo que dedicamos a cuidar de nossa saúde física e mental, que é o que realmente faz a diferença.

Deixo aqui um recado: podem me desclassificar, porque para mim, esporte amador não é um troféu, mas sim sua jornada, o quanto eu evoluí, interagi e compartilhei. Que em 2025 tenhamos mais corridas e que, quem sabe no futuro, minha filha e todas as filhas (mulheres) não precisem se preocupar da forma que eu e tantas outras corredoras nos preocupamos.

 
 
 

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