O Esporte para Adolescentes: Reflexões Necessárias para o Futuro
- Thaís Monteiro Salán

- 22 de dez. de 2024
- 6 min de leitura
Como médica, psiquiatra e especialista no estilo de vida, tenho acompanhado diversos estudos que buscam entender a adesão ao esporte, desde a infância até a vida adulta. Muitos deles mostram que entre os 10 e 14 anos de idade existe uma tendência a abandonar as práticas, ou seja, ocorre um "drop-out" significativo no esporte. Este é um período crítico na vida dos jovens, a adolescência (transição entre a infância protegida e orientada pelos pais, para a vida adulta, quando espera-se que sejam autônomos na gestão do seu próprio bem estar).
O exercício físico é um dos pilares da Medicina do Estilo de Vida, exercendo fatores protetores em relação a diversas doenças metabólicas, transtornos mentais e até mortalidade precoce. Mas é exatamente na adolescência quando muitos abandonam a prática esportiva. Profissionais da saúde e cientistas se debruçam em soluções para essa questão. Fica claro que esse período da vida merece atenção e incentivo intensivos para a manutenção do esporte em suas vidas. Mas, infelizmente, na prática encontramos diversas dificuldades para incentivar nossos jovens, incluindo questões políticas que vou explicar mais à frente. A reflexão que trago aqui é, de fato, um convite para todos nós (pais, professores, donos de academias, políticos) repensarmos o papel do esporte na vida dos adolescentes e como estamos, de fato, incentivando o engajamento deles com a atividade física e o promovendo um desenvolvimento saudável.
Recentemente, vivenciei duas situações que me fizeram questionar ainda mais a relação da sociedade com o esporte para jovens e adolescentes. A primeira foi em uma corrida de rua na qual costumo participar com toda a minha família, meus filhos participam com frequência na modalidade “Kids”, no entanto esse ano foi diferente. A modalidade Kids dos eventos em geral contempla até 12 anos de idade, enquanto que para se inscrever na distância de 5km, é necessário 14 anos a ser completado no ano do evento. Bom, meu filho Felipe tem 13 anos e fará 14 anos somente em 2025. Assim, ele e todos os outros com a mesma idade encontram-se em um “limbo”, grandes demais para o Kids e novos demais para os 5km. Apesar de eu estar falando de um evento de corrida, esse “entrave"é frequente em muitas outras modalidades esportivas. Meu filho, de 13 anos, foi impedido de participar da corrida devido à idade, mesmo sendo um evento de participação familiar e não competitivo, e embora possa parecer algo trivial para alguns, em mim, gerou uma enorme reflexão sobre as barreiras que existem para incentivar nossos filhos na prática esportiva.

Tenho comigo que o maior incentivo dos jovens são os pais, praticar com os filhos, promovendo uma experiência divertida e de conexão. A segunda situação que encontrei e me trouxe à mesma questão sobre as faixas etárias que falei acima, foi ao levar minha filha de 10 anos para uma aula de Yoga em uma academia que costumo frequentar. Pois bem, pratico Yoga há 6 anos mesmo em casa e percebi Victória curiosa e interessada, imitando movimentos e me pedindo ajuda para executá-los. Para mim, o Yoga é muito mais do que uma atividade física, é um “esporte com alma”, pois carrega consigo toda uma filosofia para além dos Asanas (as conhecidas posturas). Um dia ela me perguntou se poderia ir comigo à aula e muito satisfeita eu a levei (marquei e paguei a aula adequadamente no site, onde nada havia em relação a limites de idade). Quando chegamos lá fomos surpreendida ao sermos informadas de que ela não poderia participar da aula por ser “muito nova”, ter menos que 14 anos. Por ser médica, ali assinei um termo, enviei minga identidade médica para a academia pois ela fazia questão de fazer a aula. Ela fez, foi carinhosamente acolhida pela professora e pelos demais praticantes e amou a experiência, porém triste ao sair dizendo “Ah mamãe, só poderei voltar aqui daqui há 4 anos.
Traçando um paralelo com outra modalidade com alma”, o judô, essa é uma prática muito incentivada entre os pequenos desde 4 anos de idade. Meu filho mesmo praticou judô entre dos 5 aos 10 anos de idade, participando de diversas competições. E por que eu não poderia levar a minha filha de 10 anos? Na Índia sua prática é amplamente promovida em todas as faixas etárias, o yoga é visto como uma prática integral que inclui crianças desde cedo, sem qualquer restrição legal ou formal. Não é raro que as crianças participem de aulas de yoga, com práticas adaptadas para a faixa etária, e com foco em posturas lúdicas, respiração e técnicas de relaxamento. Cada vez mais estudos sobre o Yoga que atualmente é conhecida como uma “atividade física de integração corpo e mente” apontam seu potencial de promover a saúde física e emocional das crianças, além de ajudar no desenvolvimento de disciplina.
Vamos às regras
A limitação de idade para participação em competições infantis por parte de federações esportivas não é diretamente prevista na Constituição Federal ou em lei federal específica no Brasil, mas sim uma prática regulada pelas próprias entidades esportivas com base em proteção à saúde e desenvolvimento das crianças, conforme diretrizes gerais e orientações legais. Aqui estão os principais pontos a considerar:
1. Princípios da Constituição Federal (1988):
A Constituição prevê, em seu artigo 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à saúde, lazer e desenvolvimento sadio, colocando-os a salvo de negligência, discriminação, exploração, violência e situações que possam comprometer seu bem-estar.
• Este princípio embasa medidas tomadas por federações e organizações esportivas para limitar práticas que possam representar riscos à saúde de crianças.
2. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
O ECA (Lei nº 8.069/1990) determina que a prioridade deve ser dada à proteção integral da criança e do adolescente em todas as práticas e atividades, inclusive esportivas.
• Artigo 18: Estabelece a obrigação de todos protegerem as crianças de qualquer tratamento que comprometa seu desenvolvimento físico, mental, moral ou social.
• Artigo 60: Regula o trabalho infantojuvenil e estabelece restrições a práticas que possam gerar sobrecarga física ou psíquica, aplicável por analogia a atividades competitivas que podem ser intensas ou prejudiciais.
3. Normas das Federações Esportivas:
As federações esportivas adotam normas e regulamentos específicos para competições, baseando-se nos princípios acima. Essas normas não são leis, mas são consideradas válidas desde que não violem a legislação vigente.
• As federações têm respaldo na ideia de que crianças não têm maturidade física ou emocional para competir de forma intensa, especialmente em modalidades de alta exigência como corridas de longa distância. Isso evita possíveis processos judiciais relacionados a danos físicos ou psicológicos.
4. Ausência de Proibição Legal Absoluta:
Não existe uma lei brasileira que proíba categoricamente a participação de crianças em corridas ou yoga, desde que a atividade seja adequada à faixa etária, realizada com a autorização dos responsáveis e respeite a segurança da criança.
Conclusão:
As limitações impostas por federações são preventivas e seguem um princípio de proteção, não uma imposição legal direta. Essas práticas se alinham aos princípios constitucionais de proteção integral, mas não há lei que determine limites claros ou que proíba especificamente a participação de crianças em corridas ou práticas esportivas recreativas. Em situações de discordância, essas normas podem ser questionadas, mas tendem a ser defendidas com base nos artigos da Constituição e do ECA que priorizam a saúde e o bem-estar da criança.
Isso levanta um questionamento: como podemos incentivar nossos filhos a praticar atividades que promovam saúde e bem-estar se, muitas vezes, eles se deparam com restrições desnecessárias, que não têm fundamento em uma política pública que se debruce sobre as necessidades físicas e emocionais das crianças e adolescentes e o engajamento nos esportes?
Essas duas situações ilustram um problema maior que enfrentamos como sociedade: estamos, de certa forma, criando barreiras para os adolescentes e crianças na prática esportiva. Ao invés de fomentar a participação e engajamento desde cedo, estamos criando obstáculos desnecessários, que acabam contribuindo para o afastamento de muitos jovens do esporte. Em um momento crítico, quando os jovens deveriam estar sendo estimulados a incorporar a prática de atividades físicas em suas rotinas, muitas vezes se deparam com a exclusão, a falta de incentivo e até mesmo a discriminação por conta de sua idade ou de sua escolha esportiva.
E agora, como vamos refletir?
Assim como vemos o movimento de controle de uso de telas e mídias sociais, é importante repensarmos juntos a forma como a sociedade enxerga o esporte para jovens. O que estamos fazendo para garantir que crianças e adolescentes tenham acesso a uma variedade de atividades esportivas que promovam não apenas a saúde física, mas também o desenvolvimento social e emocional? Como podemos tornar o esporte mais acessível e inclusivo, independentemente da idade, do gênero ou da escolha esportiva? O que podemos fazer para garantir que as próximas
gerações de jovens não desistam do esporte por falta de incentivo ou pela imposição de barreiras que não têm base científica ou legal?
Concluo esse artigo com um convite à reflexão: precisamos agir para transformar a forma como vemos o esporte para os adolescentes. Não podemos continuar permitindo que a exclusão e o desestímulo prevaleçam, enquanto as evidências científicas sobre os benefícios do esporte para o desenvolvimento infantil e juvenil se acumulam.
O movimento começa do indivíduo que se transforma em grupo e adequadamente leva às instâncias legais aspectos necessários para estimular o esporte e aumentar a sua prática, revendo as políticas e atitudes atuais em relação à prática esportiva para as novas gerações, para que o esporte se torne uma ferramenta de transformação e não um obstáculo.



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